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"A EDUCAÇÃO INDULGENTE"


Este mês trouxemos, como sugestão de leitura, um interessante artigo do psiquiatra Daniel Sampaio sobre o equilíbrio entre autoritarismo e educação indulgente.

A EDUCAÇÃO INDULGENTE

O Dicionário Houaiss define "indulgente" como "aquele que tem disposição para desculpar ou perdoar; clemente". A etimologia da palavra relaciona indulgente com aquele "que se entrega, inclinado, propenso".

Não encontro melhor palavra para definir muitos aspectos da educação de hoje. Preocupados com o (des)emprego, com alguma falta de tempo mas muito afecto, os pais de agora preferem deixar correr a tomar uma medida correctora ou a traçar uma fronteira. É certo que, na maioria dos casos, se interessam muito pela instrução dos filhos e questionam os mais novos sobre a sua vida escolar; mas esquecem que, para além da instrução, a educação se deve preocupar com a formação do carácter. E há muito de aprendido (ensinado) nessa parte da personalidade a que convencionámos chamar "carácter".

A personalidade de cada um corresponde a um conjunto de respostas comportamentais que caracteriza a pessoa e determina a forma como ela responde às solicitações do seu quotidiano. É um compromisso entre os impulsos e a necessidade de controlo, de modo a manter uma relação estável entre a pessoa e o seu contexto. Todos temos uma personalidade recebida, herdada, uma matriz pessoal determinada nos nossos genes; mas existe uma personalidade aprendida, o carácter, uma espécie de "segunda natureza", adquirida através da cristalização de hábitos afectivos, cognitivos e morais.

É assim que a educação pode ser definida - como faz José Antonio Marina -, como a instrução e a formação do carácter; e é aqui que a educação actual se tornou indulgente, porque lutar pela formação de um carácter forte e atento aos demais exige uma mistura bem doseada de firmeza e afecto, nem sempre conseguida pelos pais de hoje.

Os pais dos nossos dias sabem que o autoritarismo dos seus avós não pode voltar. Espancamentos, sequestros e ausência total de diálogo, tão frequentes na primeira metade do século XX, são agora raros, até porque as crianças conhecem os seus direitos e depressa os denunciam. O problema é que o autoritarismo do passado deu origem, em muitos lares, à permissividade, a um deixar andar que não contribui para a formação do carácter.

A sociedade de hoje também não ajuda os pais na criação de limites e na educação para os valores. Ao promover, a todos os níveis, a expressão de um individualismo exacerbado, ao cultivar a cultura narcísica e a permanente superação, não fornece o contexto adequado ao sentir do outro. Cada um se quer reconhecer sempre livre e deseja viver para si mesmo, portanto não há disponibilidade psíquica para corrigir, para ajudar a perceber o que está certo e errado, o que se deve ou não deve fazer.

É evidente que temos de educar em liberdade. Não é possível voltar à educação castradora, nem à ideia de que as crianças, colocadas numa escola adequada, iriam evoluir sempre bem. A educação em liberdade, todavia, implica sempre a educação da vontade da criança e o fornecimento de um sistema ético de orientação, que permita uma escolha em cada comportamento decisivo.

Na prática, não é tão difícil como possa parecer. Junto de cada criança, basta perguntar: o que fazes agora? Por que razão estás a fazer isso? Que vai suceder a ti e aos outros se o fizeres? É esta pausa reflexiva muito simples que vai ajudar a criança a fazer escolhas e a tomar decisões adequadas, ao mesmo tempo que lhe atribui a consciência do dever e o sentido do outro.

A ternura e a exigência, ou o afecto e a disciplina como escreve Brazelton, são as bases fundamentais da educação do carácter. Postas em prática muito cedo através de uma autoridade segura e confiante por parte dos pais combatem a educação indulgente e impedem o regresso ao autoritarismo.

Professor Daniel Sampaio, psiquiatra.

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