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OS CONSELHOS DE BRAZELTON: DA GRAVIDEZ AOS TRÊS ANOS


O homem que revolucionou a pediatria morreu recentemente, aos 99 anos. T. Berry Brazelton deixa várias obras publicadas, incluindo "O grande livro da criança", que aqui resumimos, com a adaptação de um artigo publicado no jornal online Observador.

O pediatra T. Berry Brazelton morreu esta quarta-feira aos 99 anos, a dois meses de completar um século de vida. Considerado por muitos o homem que revolucionou a pediatria, escreveu mais de 200 artigos científicos e 30 livros nas áreas da pediatria, desenvolvimento infantil e parentalidade, incluindo o muito conhecido “O grande livro da criança”.

Com base na mais recente edição do livro, em Portugal, recordamos alguns dos conselhos do cientista e perito norte-americano em desenvolvimento infantil que, segundo o pediatra Mário Cordeiro,humanizou a criança e reforçou o reconhecimento das competências parentais. O livro em questão, editado pela primeira vez em Portugal em 1995, resulta dos 40 anos de prática pediátrica de Brazelton em Cambridge, no Massachusetts, ao longo dos quais ajudou 25 mil pacientes. Foi com base nessa “amostra” que Brazelton desenhou um mapa de desenvolvimento comportamental e emocional, destinado a ajudar pais a enfrentar os “surtos previsíveis do desenvolvimento”.

O livro tem por base o conceito de “touchpoints” (pontos de referência), que Brazelton define como “aquelas fases previsíveis que ocorrem precisamente antes de um surto de crescimento rápido em qualquer linha do desenvolvimento — motor, cognitivo ou emocional –, quando, durante um breve espaço de tempo, se verifica uma alteração no comportamento da criança”.

Considerando os diferentes “touchpoints”, reunimos e resumimos alguns dos conselhos de Brazelton, para aplicar desde a fase de gravidez até aos três anos de vida de uma criança.

Gravidez

O sétimo mês de gravidez é encarado por Brazelton como a altura ideal para uma primeira consulta entre pais e o pediatra que, após o nascimento, acompanhará a criança. Este é, na verdade, o primeiro “touchpoint” apresentado no livro, já que corresponde a uma oportunidade para o médico se relacionar com os pais. “Esta visita pode ter efeitos duradouros”, escreve. A ideia é conhecer bem pai e mãe antes de o bebé vir ao mundo, conhecer as suas preocupações, angústias e dúvidas. Brazelton reforça a igualmente importante participação do pai e explica que, no caso de ambos os progenitores estarem envolvidos na gravidez, é natural que haja uma competição saudável e normal pela atenção e afeto do bebé. “Se os maridos tencionam participar, pai e mãe têm de estar preparados para esta subtil competição.”

Há uma grande riqueza de informação na primeira parte do livro, sendo que, entre muitos outros aspetos, Brazelton explora um pouco da vida intra-uterina. “Existe alguma correlação entre a atividade fetal e o comportamento do bebé. O modo como um feto responde a estímulos pode ser significativo”, escreve, explicando que os fetos adaptam-se à tensão e ao meio ambiente e que podem fazer aprendizagens desse mesmo meio — alguns ficam sossegados, outros mais ativos. Há motivos de preocupação quando há demasiada atividade ou quando o feto não responde aos movimentos da mãe.

Neste capítulo destinado à gravidez também se abordam algumas preocupações associadas ao parto e a alguns dos momentos mais importantes imediatamente após o nascimento. No que à amamentação diz respeito, Brazelton assegura que o leite materno tem inúmeras vantagens e é o ideal para o bebé: “Nenhuma criança é alérgica ao leite materno. A percentagem de proteínas e de açúcar é a ideal, e o leite materno contém anticorpos que vão aumentar o nível de imunidade das mães através da placenta, mas esta imunidade vai diminuindo ao longo dos meses seguintes, a não ser que o leite materno a mantenha. Por isso, os riscos de infeção diminuem com a amamentação”. A amamentação, garante, é a forma ideal de comunicação entre mãe e bebé.

Recém-nascido

O segundo “touchpoint” estipulado por Brazelton consiste na observação do bebé após o nascimento. A observação inicial, refere o autor, é conhecida por índice de Apgar e tem em conta a cor do bebé, a sua respiração, o ritmo cardíaco, o tónus muscular e a sua atividade, sendo feita momentos depois do parto. Este método pretende avaliar a capacidade do recém-nascido em responder ao trabalho de parto e ao novo meio ambiente — a avaliação descrita não prevê o futuro bem-estar do bebé, mas reflete o tipo de parto em causa. Uma avaliação mais profunda, essa, acontece durante os primeiros dias de vida e, já nesta altura, o bebé é avaliado quanto ao “bem-estar físico e ao modo como reage, sob o ponto de vista nutricional”.

“O comportamento de um recém-nascido parece destinar-se a atrair os pais. A maneira como se aconchega deliciosamente ao pescoço ou ao ombro e como procura o rosto do pai ou da mãe, provocam nestes um enorme desejo de o amparar e compreender.”

No livro, Brazelton deixa claro que o bebé é dotado de uma “espantosa variedade de respostas” desde o momento em que nasce. A importância dos estímulos é clara para o autor, que procura esclarecer que quando os bebés são prematuros ou foram sujeitos a sofrimentos intra-uterinos têm uma particular dificuldade em alhear-se de estímulos repetidos. “Respondem a cada agitar da roca, a cada toque de campainha, a cada foco luminoso”, escreve Brazelton, referindo que tal é penoso para os prematuros. “Mostram desagrado, e por vezes dá-se até uma alteração na cor da face, visto que os seus ritmos cardíaco e respiratório aceleram cada vez que há um estímulo.”

Muitos bebés, no período pós-parto, reagem aos estímulos de uma forma muito lenta, “como se estivessem a recuperar do sofrimento que passaram para nascer”, diz o autor. Nesse sentido, e caso a situação persista, deve ser encontrada uma causa, como por exemplo, “um sistema nervoso abalado”. “Será necessário agir o quanto antes”, escreve Brazelton. “Sabemos hoje que uma intervenção precoce num bebé perturbado pode ser muito útil à sua recuperação.”

“O arquear da cabeça e o levar das mãos ao rosto para retirar o pano são exemplos de um sistema nervoso intacto num recém-nascido de termo. Se o bebé estiver muito sedado por medicação materna, ou se for prematuro, todos os seus padrões motores estarão acentuadamente diminuídos. Se houver uma lesão cerebral, a sua atividade motora será desorganizada, e o tipo de tentativas ineficazes para desempenhar todos estes comportamentos tornam-se indicativos de que ele tem problemas.”

Três semanas

“No nosso mapa de pontos de referência, em que são abordadas as fases da vida da criança em que é mais provável surgirem problemas, a questão da alimentação surge inevitavelmente nesta altura em que ela tem três semanas”, assegura Brazelton. Se no início de tudo dar de comer ao bebé sempre que ele acorda é a resposta mais adequada, a partir da terceira ou da quarta semana as mamadas podem ser um pouco adiadas em substituição de um momento de brincadeira. “Não fará mal ao bebé esperar um pouco. Ele aprenderá gradualmente que as brincadeiras intercalares podem ser tão agradáveis como as mamadas.”

“Os pais normalmente encaram a alimentação como a sua maior responsabilidade. Quanto mais intenso é este sentido de responsabilidade, mais receiam que a criança não esteja a alimentar-se convenientemente.”

Assim que os pais ganham maior confiança tendo em conta a alimentação do bebé, estes “podem começar a prolongar os estados vígeis que medeiam entre a altura da sua higiene e o sono”. Segundo Brazelton, as mães têm mais e melhor leite depois de um intervalo de três a quatro horas do que após períodos de amamentação mais próximos uns dos outros. A isso junta-se o facto de as mamadas com intervalos maiores entre si serem menos lesivas para os seios das mães.

“O objetivo é conseguir que o bebé fique acordado cerca de três a quatro horas entre as refeições e faça um sono longo durante a noite.”

Já o ajustamento dos ciclos de sono e de vigília do recém-nascido constituem a primeira tentativa dos pais de adaptaram o bebé ao mundo que o acabou de receber. De facto, conseguir controlar os seus estados de consciência é também uma tarefa muito importante para o recém-nascido. Nesse sentido, importa conhecer os diferentes estados: sono profundo; sono ligeiro; estado indeterminado; completamente acordado, vigília total; estado vígil, agitado, e choro.

Quatro meses

O comportamento exploratório tendo em conta a alimentação faz parte desta fase, altura em que o bebé vai começar a querer brincar com o biberão — não há motivo para não deixá-lo pegar-lhe pela parte de baixo. A alimentação, garante Brazelton, é muito mais do que comida, e a comunicação com o bebé é fundamental. Para atestar esta afirmação, o autor cita estudos que demonstram que os fluídos necessários à digestão “não são ativados se o bebé não tiver um clima agradável quando está a comer”.

Considerando os alimentos sólidos, Brazelton faz notar que alimentos mistos, ovos e trigo são de evitar até aos nove meses, uma vez que estes são alimentos com maior probabilidade de desencadear alergias nos mais pequenos. A introdução dos alimentos sólidos vem acompanhada de uma natural experimentação e brincadeira por parte do bebé que deve ser encorajada.

Mais importante do que os alimentos sólidos é o leite. Caso o bebé esteja a ser alimentado a biberão, o autor sugere como quantidade de leite adequada 570 a 680 gramas. “Quando se torna difícil dar-lhe o peito ou o biberão, é aconselhável diminuir os sólidos, para ser mais fácil dar-lhe o leite. Pode dar-se-lhe o peito ou o biberão duas vezes por dia, num quarto sossegado e escurecido. Deste modo ele irá ingerir o leite de que precisa para crescer e aumentar peso. Um bebé só aumenta de peso quando está a ingerir a quantidade adequada de leite.”

No que toca ao sono, e caso o bebé já consiga adormecer sozinho, os pais podem contar que ele durma noite fora. Certo que ainda se vai agitar na cama, chorar e voltar a adormecer — estes padrões de autoconforto, bem como a capacidade de adormecer sozinho, “tornar-se-ão ainda mais importantes para o bebé ao longo dos dois meses seguintes”.

Ainda nesta altura, o desenvolvimento cognitivo é contínuo, pelo que o mais provável é que o bebé esteja um tanto ou quanto irrequieto, o que obriga a uma vigilância redobrada dos pais: “É vital nunca o deixar sozinho enquanto lhe mudamos a fralda ou o vestimos depois do banho, sobre o tampo da banheira. Deve mantê-lo sempre seguro, mesmo que só com uma das mãos.”

Nove meses

Brazelton é perentório: aos nove meses o bebé vai precisar de ganhar um maior controlo sobre a sua própria alimentação, mesmo que isso faça torcer muitos narizes adultos. Nesta fase, e ao contrário do que se possa pensar, os alimentos não são o mais importante, uma vez que a necessidade que o bebé tem de “imitar, de explorar, de começar a aprender a recusar” passa a ser prioritária. “Aconselho firmemente o pai e a mãe a reconsiderarem quaisquer tentativas para dominarem a refeição da criança e, em vez disso, tornarem esta num espaço de entretenimento e de aprendizagem”, escreve o autor.

“É demasiado importante para a criança começar a aprender a comer sozinha. O problema é que a maioria dos pais sobrevaloriza as refeições. É uma herança do seu próprio passado, que é difícil não querer perpetuar.”

Aos nove meses dá-se o caso de os bebés começarem a acordar de noite à medida que vão adquirindo novas capacidades motoras, ao porem-se de pé e até caminharem, situações de grande excitação para os mais novos. É nesse sentido que Brazelton sugere que os pais estejam preparados “para manter um padrão de conforto mas que seja firme, ajudando o bebé a adormecer sozinho após cada ciclo de sono”.

Ainda neste capítulo, o autor refere-se ao controlo das necessidades fisiológicas para explicar que, ao contrário do que terceiros possam sugerir, é a criança que deve instruir-se a si própria. “Se o fizerem [se treinarem os bebés nesse sentido], estarão a treinar os esfíncteres do bebé, tal como se fazia antigamente quando ainda não havia fraldas descartáveis.”

No reino dos ensinamentos está, então, a difícil arte da separação de pais e bebé. Até por causa dos meses que se seguem, o autor aconselha os pais a prepararem os filhos de cada vez que tiverem de sair e, ao início, a estarem ausentes por um curto período de tempo e a deixarem-nos com alguém familiar. O tempo de ausência deverá ser gradualmente aumentado. “Nesta idade, ele está a desenvolver o conceito de independência e o de afastamento, mas à medida que o faz torna-se cada vez mais dependente.”

Um ano

O primeiro ano de um bebé consiste num surto de desenvolvimento, que precede um período de desorganização. É precisamente nesta fase que o desejo de independência se intensifica e a palavra “não” passa a ser constantemente usada. O negativismo é natural, pelo que os pais têm de se preparar e aceitar a situação, sem que se sintam culpados — “Caso contrário, encaram esse negativismo como se se dirigisse a eles em particular e tentam reprimi-lo ou contrariá-lo”. Morder, bater e arranhar são atitudes que fazem parte de um comportamento exploratório e estão associadas a períodos de sobrecarga.

As birras também são protagonistas desta etapa e, nesse ponto, Brazelton refere que, por vezes, uma atitude firme e fria pode ser a solução: “Sei que parece cruel ignorar uma grande birra, mas as pessoas experientes sabem que, se os pais interferirem, é muito provável que a birra se prolongue mais”. A disciplina é, então, necessária — diz Brazelton que, depois do amor, a disciplina é a segunda coisa mais importante para uma criança.

“Nesta idade, quando a criança pede atenção, precisa de carinho ou de um pouco de consideração, mas não de repreensões. Os castigos físicos como bater-lhe ou dar-lhe palmadas significam duas coisas para ela: uma, que os pais são maiores e não precisam dela para nada e, outra, que gostam de agredir.”

Dois anos

Aos dois anos de idade, uma criança está pronta para começar a ajudar nas tarefas domésticas. Um ponto interessante se pensarmos que o sentimento de utilidade e o ser-se capaz reforça a auto-estima dos mais novos. Ensinar um filho a ajudar em casa deve ser feito de forma gradual e não isento de elogios, que devem acontecer na sequência da participação ativa da criança. Diz o autor que todos estes momentos são um investimento no futuro: “Nesta geração, os rapazes e as raparigas que aprendem a ajudar estarão muito mais bem preparados para um mundo em que os dois elementos do casal têm de trabalhar. Estarão prontos a compartilhar as tarefas domésticas e não ficarem à espera que lhes peçam ajuda”.

É nesta fase que Brazelton introduz o tópico da televisão. Diz o pediatra que a televisão exige um esforço de atenção visual e auditiva muito grande, pelo que uma criança pequena fica extenuada ao assistir a programas televisivos. A TV não pode, por isso, fazer de baby-sitter, até porque as crianças não podem ver televisão durante mais de 30 minutos e apenas duas vezes por dia.

“Os programas devem ser cuidadosamente escolhidos e as crianças só devem ver no máximo meia hora de cada vez, e não mais de duas vezes por dia. O ideal é a mãe ou o pai participarem pelo menos numa destas sessões”, escreve o autor, que garante que os programas televisivos constituem uma agressão aos sentidos das crianças. “Isso paga-se caro.”

Três anos

“O tipo de aprendizagem tumultuosa que a criança faz neste período parece-me uma antevisão do turbilhão da adolescência”, escreve o autor, referindo-se ao desenvolvimento intenso a que uma criança de três anos está sujeita. É nesta fase que se dá a aprendizagem da identidade sexual e que a criança se identifica mais com o pai ou com a mãe. “Neste período, centraliza a sua paixão e absorve completamente um deles durante algum tempo, ignorando o outro. Se observarmos de perto uma criança desta idade, poderemos detetar características de identificação com o pai ou com a mãe no modo como ela caminha, no ritmo com que fala, nas suas preferências alimentares e em muitas outras áreas.”

Aprender a dominar a fúria e a agressividade é das tarefas mais difíceis para uma criança desta idade, que testa os pais até obter deles uma reação ou regressa a antigos padrões de birra. “Prefiro ver uma criança desta idade ficar zangada, arreliar e provocar os pais. Está a exprimir abertamente a sua agitação e a aprender mais. Uma criança desejosa de agradar a todos os que a rodeiam sofre mais e terá de estar os pais mais tarde.”

E não esquecer: para Brazelton, brincar é o modo mais poderoso de as crianças aprenderem tarefas importantes.

Fonte: Observador

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