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CONSELHOS DE EDUARDO SÁ EM TEMPOS DE PANDEMIA


Neste período de isolamento, em que a vida social está anulada aos mínimos da família nuclear, os desafios para pais e crianças são grandes. O que há dois meses poderia parecer um cenário edílico, hoje, pode ser algo difícil de suportar.

Assim, seleccionámos três artigos do psicólogo Eduardo Sá sobre estes tempos atípicos que todos estamos a viver.

Não, os pais não estão de quarentena!

Vá lá, pais! As crianças reconhecem ter uma pitada de mau génio. Mas, também, não há necessidade de se criar alarme social só por elas ficarem fechadas, em casa, ao vosso cuidado. Nem vale a pena que haja tutoriais para se sobreviver à quarentena, na sua companhia. Nem grupos de WhatsApp com muitos pais preocupados a construírem listagens com um sem-número de actividades para as entreter durante t-o-d—o-s os minutos em que elas estão em casa. Nem mails às tantas da noite para as suas professoras pedindo-lhes (muitos) mais trabalhos de casa. Nem esta súbita paixão pelo tele-trabalho que todos lhes querem atribuir como se, de repente, os tablets fossem sempre os seus melhores amigos; mas para estudar o tempo todo, claro.

Vá lá, pais! Não dêem ouvidos aqueles senhores que recomendam que os pais têm de explicar às crianças que não estão em férias! E não aceitem, sob pena do respeito que elas têm por vós ficar adoentado, que eles vos digam que os pais têm de ter regras, rotinas e horários. E têm, ainda, de dividir o tempo dos filhos entre os estudos e o lazer. E têm de ter disciplina, muita disciplina, para com eles! Como se os pais estivessem de "quarentena" o tempo todo. Ou sem "tutoriais" não fossem pais. Ou só estivessem preparados para "part-time de pais", entre as seis da tarde e as nove da noite. Por mais que esses senhores imaginem que as crianças não distinguem as férias das quarentenas. Ou não entendam que, nas férias, o brilho do olhar dos pais nunca está, também ele, assim, como agora, de "quarentena".

Vá lá, pais! Não recordem aos vossos filhos que eles têm de trabalhar todos os dias enquanto os pais, mesmo com um computador à sua frente, estão de pijama, o tempo todo. O mais importante para elas não é isso! Do que as crianças precisam, mesmo, de perceber não é tanto se os pais são capazes de as entreter; mas se são capazes de as surpreender! E de lhes mostrar que, em vez das 14 horas por dia em que eles estão a correr para todos os lados, sem ser muito claro se fazem um caminho ou se correm em direcção a sítio nenhum; se em vez de não terem nem sábados nem domingos e de, nas horas vagas, o telemóvel acabar por ter mais espaço na sua atenção do que todas as coisas que os filhos são capazes de fazer; ou se em vez de andarem zangados com os vizinhos, zangados com os colegas, zangados com os avós ou zangados com os filhos; se as crianças e os pais, depois da quarentena, serão capazes de se conhecerem melhor e de se tornarem (ainda) mais preciosos uns para os outros.

Vá lá, pais! As crianças já perceberam que nem elas nem os pais podem ficar doentes. Porque todos podemos morrer! E reconhecem que não estão preparadas - é verdade! - para nada disto que estamos a viver. E, por mais que adorem os pais, viverem o tempo todo, debaixo do mesmo tecto, onde o melhor do recreio será ir à varanda, assusta-as; a elas, também. Até porque não sabem como irão resistir aos ralhetes dos pais para arrumarem os brinquedos e outras coisas assim, de manhã até à noite. Por mais que não deixem de reconhecer que os pais só as consigam "ver" a rezingar, à bulha ou a virar a sua paciência do avesso. E admitem que, à medida que os dias passem, elas e os pais tão depressa andarão zangados uns com os outros, como tristonhos, enfadados ou com raiva, por exemplo. Por tudo ou por nada, como acontece com todos nós. E estão até, preparadas - é bom que saibam! - para ver os pais a discutir por coisas sem importância. E, ao mesmo tempo, a dizerem-lhes para não estarem preocupadas, "porque não se passa nada". Mas - vá lá, pais! - dêem às rotinas das crianças só mesmo a importância que elas merecem. E reconheçam que as crianças estão é, sobretudo, muito assustadas. Mesmo muito assustadas! E é por isso que precisam dos pais, com todos os erros de que só eles são capazes. Para as sossegarem! E, acima de tudo, para que elas se sintam seguras. Porque as crianças reconhecem que, apesar dos vírus com que ninguém se entende e das maiores injustiças de que a Natureza é capaz, se os pais não são as criaturas mais perfeitas da Criação eles andam lá muito perto! E isso, sim, só vale a pena!

E, entretanto, devemos falar-lhes do que se está a passar ou evitar, simplesmente, que eles vejam as notícias?

Falar-lhes. Não lhes falar demais, claro. Mas falar-lhes; sempre. Até porque não temos forma de os fechar numa "espécie" de bolha que os afaste de tudo aquilo que se vai passando. E porque eles nunca estão distraídos. Apanham "no ar" todas as notícias com que somos "bombardeados". Reparam nalgumas passagens dos debates televisivos. E percebem muitos dos comentários que fazemos, "entredentes". Ou os nossos suspiros, as nuvens do nosso olhar ou os "à-partes" que acabamos por fazer num ou noutro telefonema. E, sim, para eles também é demais estarmos todos "a falar" de morte, desde o pequeno-almoço até à hora de nos irmos deitar. Aliás, à escala do que elas são capazes, as crianças estão a fazer um esforço "hercúleo" para se adequarem àquilo que os pais desejam que elas façam. Não estão tão "inflamáveis" como temíamos. Parecem estar a ocupar um bocadinho menos de espaço do que supúnhamos que acontecesse numa circunstância como esta. Nem ficam tão "eléctricas" como nos fins de semana em que as temos fechadas. Mas precisam de nos ter a pôr algumas "legendas" nisto tudo. Porque pais que não falam são portas que se fecham.

É claro que, à medida que o tempo passa, e não têm nem a sua vida social nem as suas rotinas habituais, os nossos filhos vão (precisar de) ficar mais impacientes. Mas nem aí eles precisam de nos ter a trabalhar para os termos entretidos, o tempo todo. Mas ganham se nos tiverem - um bocadinho de manhã, um bocadinho à tarde - só para eles. Num brincar sem agenda. E sem direito a telefone, televisão ou outras "interferências".

Seja como for, o mais importante é que não perca de vista que eles andam muito assustados. E, sem que o perguntem, a questão que têm "em cima da mesa" será: e, agora, com isto a acontecer, os meus avós e os meus pais podem, também eles, morrer? Não lhe responda coisas que comecem com: "Um dia; daqui a muito tempo...". 15 dias, à escala dos tempos de uma criança, já é uma "eternidade". Mas não deixa de ser "logo ali". Logo, a perspectiva disso acontecer dentro de "15 dias..." não é simpática. Aliás, prepare-se para ter o seu filho "eruptivo" se ele apanhar uma notícia a partir da qual imagine um cenário como esse. Ainda assim, mal desconfie que esse medo que acende uma "luzinha" dentro dele, não fale... demais. Chegue-se para o seu filho. Aperte-o, de forma aconchegante. E deixem-se estar assim. Até que lhe apeteça. Os medos dão-se mal com calor dos abraços... E escapam-se, rapidamente, para uma brincadeira onde "os maus" acabam sempre por perder.

Se a sua paciência não está no vermelho não leia!

Se os seus filhos parecem "eléctricos", o dia inteiro; se, ao pé deles, as pilhas da Duracell lembram uma brincadeira de "crianças"; se eles parecem que nunca se calam; se, de manhã à noite, tem a sensação que lhe repetem "150 vezes": "Queres vir brincar comigo?"; se, qualquer que seja a brincadeira que lhes proponha, nada os satisfaz; se, apesar dos seus cuidados para os entreter, eles não páram quietos; se lhe azucrinam a cabeça pedindo-lhe, quase minuto a minuto, para verem só mais "um bocadinho" de filmes de animação; se, mal se distrai, a forma como eles brincam entre eles escorrega para uma grande gritaria; se, contra tudo o que é habitual, os pequenos acidentes de todos os dias parecem ter-se tornado mais frequentes; se, de cada vez que entra no quarto deles ou reentra não sala fica com "os nervos" num fanico porque, depois de tudo parecer mais ou menos no lugar, os brinquedos e as almofadas lhe parecem ter sido vítimas de um tsunami; se a sua esperança por já não faltar muito para ser segunda-feira foi de quarentena, deixando-lhe na alma uma aragem, inconsolável, de desolação; se, a sua paciência para escutar as crianças, para lhes falar sem se esganiçar, por tudo e por nada, ou para não acabar com uma vontade (irreprimível!) para tirar "férias de filhos", por tempo indeterminado, vai acontecendo cada vez com mais frequência; e se, de cada vez que os avós lhe dizem que estão cheios de saudades deles dá consigo a desabafar que já não os pode "ver à frente", não se alarme: o que se passa é que - apesar de não ter, felizmente, nem tosse nem febre - a falta de ar que sente, regularmente, talvez não precise nem de uma zaragatoa, nem de um teste rápido à infeção por coronavírus. O diagnóstico é simples: pais equilibrados e crianças felizes, muito tempo fechados, ficam que ninguém os atura. E se acha que nada disto devia estar acontecer, descanse outra vez: pais equilibrados e crianças felizes precisam de sentir que estão livres para se amarem sem falta de ar.

Fonte: eduardosa.com

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